Postado em 12 de maio de 2025

A carne x O espírito

Atalhos

Introdução

Recentemente, comecei a refletir com mais atenção sobre o motivo de tantos cristãos agirem de forma tão carnal mesmo dentro das congregações. Digo isso com temor e carinho, pois vejo em muitos — inclusive em mim — a inclinação natural para a inveja, a fofoca, o ciúme, o orgulho e outras obras da carne. Em certos momentos, tornamo-nos o puro reflexo da natureza humana sem o governo do Espírito — uma síntese do que nossos instintos mais baixos são capazes de produzir, ainda que estejamos dentro de um ambiente supostamente “espiritual”.

Olhando para o aspecto social, algo me preocupa ainda mais: muitos procuram a congregação não por arrependimento, fome da Palavra ou desejo de santificação, mas porque se sentem bem ali, emocionalmente acolhidos, socialmente amparados, respeitados, ouvidos. Em vez de buscarem a Deus, buscam os irmãos. Em vez de se submeterem à verdade do Evangelho, procuram companhia, conforto, pertencimento.

E aqui nasce uma tensão profunda: o ambiente torna-se, então, mais um espaço de consumo afetivo do que um altar de sacrifício. As pessoas chegam com seus problemas — emocionais, familiares, existenciais — e projetam nas lideranças e nos ministérios a expectativa de cura. Porém, sem transformação espiritual real, essa busca termina em frustração. Líderes esgotados, pastores sobrecarregados, irmãos feridos por mal-entendidos e fofocas… tudo isso é fruto da inversão de finalidade da igreja.

Será que a congregação está se tornando um centro de apoio social com linguagem cristã? Será que o culto é, para muitos, apenas um evento para aliviar a consciência ou encontrar amigos? Será que estamos substituindo o discipulado pela carência? A verdade é que o socialismo emocional infiltrado nas igrejas, como diria Luiz Felipe Pondé (Ateu), nos transforma em órfãos sentimentais mimados, exigindo acolhimento constante, sem responsabilidade espiritual.

Com base nisso, convido você a analisar comigo, à luz da Palavra, a profunda batalha entre a carne e o Espírito, e o que Deus espera de cada um de nós — como indivíduos e como igreja.

A Carne

A carne, segundo Paulo, é a natureza humana inclinada ao pecado e à autossatisfação. Em Gálatas 5:19-21, ele lista as obras da carne, que incluem desde pecados morais (como prostituição e lascívia) — lascivia – propensão para a luxúria, sensualidade exagerada; lubricidade — até pecados emocionais e sociais (como inimizades, ciúmes, iras, dissensões, invejas). O foco aqui é claro: a carne se manifesta nas relações — e não só no pecado oculto, mas na forma como nos tratamos dentro da igreja.

A fofoca, o ressentimento, a competição entre ministérios, a teatralização da espiritualidade — tudo isso são sintomas da carne operando disfarçada de religiosidade. E mais grave ainda: a busca por acolhimento humano sem confrontação espiritual nos impede de amadurecer. Pessoas transformam a igreja num lugar para se sentir bem, e não para serem santificadas. Querem conselhos, mas não querem se arrepender. Querem abraços, mas rejeitam o confronto da cruz.

Essa carência espiritual revestida de linguagem evangélica contamina o culto e enfraquece a pregação. O culto vira evento, o louvor vira anestesia emocional, e a pregação vira coaching espiritual. A carne transforma o que é santo em entretenimento emocional, e isso é muito do que vêmos hoje em muitas e muitas congregações, que não obstante em oferecer verdadeiros espetáculos, algumas ainda contam com sala vip para os integrantes mais privilegiados da congregação.

O Espírito

Em contraste, o fruto do Espírito é exatamente aquilo que falta nas igrejas dominadas pela carne: amor, paz, paciência, mansidão, domínio próprio (Gálatas 5:22-23). Não se trata apenas de ser “legal” ou “calmo”, mas de ser regenerado, moldado por dentro, ter a mente de Cristo (Filipenses 2:5).

O Espírito Santo não vem para massagear nosso ego, mas para nos crucificar com Cristo (Gálatas 2:20). Aquele que vive no Espírito não exige atenção constante, mas serve. Não busca ser consolado, mas consolar. Não exige acolhimento social, mas oferta amor sacrificial. O Espírito transforma órfãos carentes em filhos obedientes.

É Ele quem convence do pecado, da justiça e do juízo (João 16:8), não o grupo de apoio ou o ministério de ajuda. O Espírito nos insere num Corpo não para sermos bajulados, mas para sermos lapidados.

Pois uma rocha que apenas recebe polimento não se molda igual àquela que primeiro é quebrada — só depois disso pode ser lapidada para um propósito maior, Isaías 51:1 “Olhai para a rocha de onde fostes cortados, e para a caverna do poço de onde fostes cavados.”

Conclusão

Diante desse cenário, o que devemos fazer?

1. Como indivíduos:

Precisamos examinar a motivação com que buscamos a igreja. Estamos indo por Cristo ou pelas pessoas? O que nos atrai: o púlpito ou a comunhão das conversas depois do culto? A Palavra nos convida a morrer para o “eu” (Lucas 9:23) e nos alimentar da verdade, e não apenas do ambiente.

2. Como líderes de ministérios:

É urgente ministrar com o Espírito e não com emoção. Liderar é formar discípulos, não viciados em aconselhamento. Líderes precisam ensinar o povo a buscar a Deus diretamente e não apenas a se encostar no ministério.

3. Como pastores:

O pastorado não pode se tornar uma função terapêutica. Pastores devem apontar para a cruz, e não para o divã. A Palavra deve confrontar o pecado, não apenas confortar o pecador. O púlpito deve ser lugar de fogo, não de algodão.

4. Como congregação:

A igreja precisa resgatar sua vocação espiritual. O acolhimento deve existir, sim — mas precisa estar subordinado à Palavra. A comunhão só é verdadeira quando parte da verdade (1 João 1:7).